Era véspera de Natal e as ruas enfeitadas tornavam-se palco de uma enorme correria, eram pessoas apressadas, atabalhoadas, atrasadas, que se multiplicavam pelas calçadas e que estavam ali numa busca que parecia interminável.
Todas aquelas pessoas preocupavam-se em adquirir os presentes tão esperados pelos corações queridos, enquanto outros buscavam tão somente por algumas lembrancinhas que marcassem carinhosamente tão expressiva data.
No meio daquela multidão, d. Ritinha, uma morena franzininha de fazer dó, viúva, pois já fazia quase dois anos que o marido Malaquias fora acidentado, era moradora do morro da lamparina.
Ali naquele enorme comércio, ela andava de um lado para outro, esforçando-se por encontrar três carrinhos e duas bonecas, que por milagre de Deus coubessem nas estimativas de seus parcos recursos.
Ela, como uma boa mamãe Noel, ansiava por atender aos sonhos dos filhinhos queridos, os maiores tesouros que a vida havia lhe presenteado.
Pela manhã, bem cedinho ela havia saído do lar, deixando-os sozinhos sob os cuidados de Emerenciana, a mais velha da casa.
Enquanto isso, num casebre bem lá no alto do morro, Emerenciana de oito anos, tomava conta dos irmãozinhos, Rubio de seis, Carlinhos de cinco, Mariinha de três e Tiãozinho de um ano, a expectativa por lá era muito grande, pois apesar de pequenos eles sabiam que a mamãe havia saído para um provável encontro com papai Noel.
Afinal de contas, por onde andaria aquele bom velhinho, que talvez pela idade e pelo cansaço, de forma alguma se atrevia a subir o morro, aliás há muito que ele não vinha dando o ar da sua graça.
Contudo Emerenciana tinha muitas esperanças de que naquele ano tudo fosse diferente, pois ela havia ficado sabendo que ele havia chegado voando num tal de “elicope” e que havia descido num tal de “Shope”, então quem sabe ele ainda não estaria por lá?
E ela acreditava na sua mamãe, pois com fé em Deus, ela haveria de encontrar aquele bom velhinho a caminhar por alguma daquelas ruas lá da cidade, ruas estas que ela tão bem conhecia, já que auxiliava a mamãe na coleta diária de papelão.
E ela ainda se recordava bem, que nos anos anteriores era o papai quem descia para procurar o bom velhinho, mas infelizmente agora todos lhe diziam que o tal de papai do céu, que devia até mesmo ser irmão ou amigo desse tal de papai Noel, o havia chamado, e ele como por encanto havia sido levado para esse tal de céu, e de lá nunca mais retornou para casa, sumindo como que por encanto.
Agora quem sabe a mamãe encontraria com papai Noel, e ele com certeza traria também notícias vindas do papai do céu, falando quem sabe, o dia em que o papai Malaquias poderia novamente voltar para casa, pois verdadeiramente ele fazia muita falta e todos estavam sentindo muitas saudades dele.
Naqueles instantes, as lembranças castigaram os olhinhos de Emerenciana, que assim não conseguiu conter o cair das lágrimas sofridas, eram muitas as saudades do papai Malaquias, saudades acrescidas pelo desejo ardente, pela esperança de receber de papai noel algum presente.
Os sentimentos de dor e de esperança se misturavam naquele coraçãozinho, eram muitas as saudades, pois desde que ele se foi as coisas verdadeiramente haviam piorado muito, o pão tornou-se ainda mais escasso, as roupas desapareceram e o almoço já não era visto todos os dias, e a coitadinha da mamãe, desde que o papai Malaquias fora chamado ao céu, chorava de fazer dó.
D. Ritinha já cansada, extenuada, não conseguiu mesmo nada que seu dinheiro desse, não podia levar presente para uns e não levar para os outros, e dessa forma depois de muito caminhar e pensar, decididamente entrou numa padaria e transformou todas as suas economias em pães doces e cocadas, e ainda deu para dois pacotinhos de refrescos, seria uma grande fartura, serviria groselha e uva, tudo num mesmo dia.
Presentes?
Há estes ficariam mesmo para depois, para um outro dia!
Feliz pelos pães doces, pela fartura das cocadas brancas e pretas, cinco pirulitos e mais o suco, pois assim a festa estaria completa.
Contudo ainda sofria principalmente por Emerenciana que tanto lhe pedira uma boneca mesmo que fosse daquelas pequenininhas.
D. Ritinha, parou, respirou, e lembrou-se então de Jesus, do seu nascimento muito pobre, das suas lutas, e das dores sofridas ao final de sua experiência, tirou então do busto um surrado tercinho, e colocou-se a caminhar e a rezar.
Era Natal, mas o que importava?
Outros natais viriam, e o importante mesmo era que Jesus não se esquecesse durante todo o ano de ajudá-la no sustento diario das suas crianças.
Coração consolado na fé, pensava na alegria que seria a sua chegada em casa, Emerenciana e os irmãos teriam assim um grande e digno Natal.
Ao chegar ao terceiro dos quarteirões próximos ao morro, andando rapidamente, quase não percebeu que uma voz lhe chamava!
_____ Senhora, senhora!
Ela olhou para trás e deparou com algumas pessoas, sorridentes, atenciosas, que foram logo lhe perguntando:
______ A senhora tem filhos não tem?
______ Sim, eu tenho, uma filhinha Emerenciana de oito anos, Rubio e Carlinhos, Mariinha e o Tiãozinho que vai fazer em janeiro dois aninhos!
______ Sim, sim, chegue ate aqui, pois esse é o carro de papai noel!
______ Olha essa boneca bem grande é especial para Emerenciana, essa menorzinha é para Mariinha, e esses três carrinhos aqui são para Rubio, Carlinhos e Tiãozinho.
D. Ritinha, com os braços cheios de presentes, estava agora prestes a desmaiar de tanta emoção e de tanta alegria.
Estaria ela diante de Jesus e os seus apóstolos?
Seria aquilo o milagre da multiplicação dos pães? A alegria incontida imediatamente transformou os seus agradecimentos em lágrimas sinceras que brotavam abundantes daqueles olhinhos humildes.
Ela não sabia como agradecer à aquelas pessoas que apareceram ali do meio do nada, talvez eles fossem mesmo auxiliares de Jesus, os seus anjos que ouvindo o seu coração em prece vieram então em seu socorro.
D. Celma de tão emocionada, agachou na via pública, e retirou o próprio tênis ainda muito novo, carinhosamente colocou-o no lugar da velha sandália e calçando-lhe os pés, e assim também fez a Terezinha, que emocionada retirou seus pertences pessoais de sua elegante bolsa, deixando-lhe as pinturas e os cremes, e colocou-lhe aos ombros. Sem demora o senhor Miguel tratou de tirar algumas notas da carteira e amorosamente depositou no interior da bolsa.
Naquele instante como verdadeiros irmãos, todos afetuosamente abraçaram d. Ritinha como a muito tempo não abraçavam a alguém.
Luzes excelsas rasgavam os céus num espetáculo de cores e de bênçãos.
Olha quem diria, pois naquele meio, ali fulgurante, triunfante e também em lágrimas estava Malaquias, que desde que vitoriosamente retornara da sua jornada terrena, assumira por méritos o posto de protetor espiritual daquele núcleo familiar.
Lá estava ele abraçado a d. Ritinha, tão feliz como nos velhos tempos, e junto a outros protetores e trabalhadores daquele agrupamento do amor ao próximo, reunidos todos de mãos dadas, genuflexos, oraram ali mesmo, profundamente agradecidos a Jesus!
Verdadeiramente era Natal, o menino Jesus, vitorioso renascia na manjedoura daqueles corações!
Mais a noitinha, lá bem no alto do morro, Emerenciana embalava no colo amorosamente a boneca que sonhara, estava feliz, por também ver seus irmãozinhos felizes, e mais feliz ainda por ver a mãezinha querida, radiante, agora de tênis novo, assentada, bebendo suco, comendo pão doce e cocada, e com sua bolsa toda chic colocada no ombro a tira colo.
Era noite de Natal!
A caridade havia triunfado, Jesus havia operado o milagre da multiplicação da felicidade.
Olha amigos, d. Ritinha, Emerencianas, lutas, dores e dificuldades existem muitas por aí, não perca a oportunidade de fazer alguém feliz!
Feliz Natal a todos!
Paz e muitas alegrias.
Palminha
psicografado por Jairo Avellar